Proprietários rurais devem R$ 28,5 bilhões em ITR, o "IPTU" das fazendas
A dívida de propietários rurais com a União relativa ao ITR (Imposto Territorial Rural) teve crescimento real de 49% em cinco anos e chegou a R$ 28,5 bilhões. O aumento já desconta a variação da Selic (taxa básica de juros), indicador usado nos contratos. O valor é quase o mesmo que o governo vai gastar para pagar o Bolsa Família durante todo o ano de 2017 (R$ 29,3 bilhões).
O Ministério da Fazenda e a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) dizem que a dívida aumentou por conta da crise econômica e porque devedores passaram a apostar que o governo vai editar novos programas de refinanciamento de dívidas tributárias, os chamados Refis.
O ITR é um imposto semelhante ao IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano). Enquanto o IPTU é cobrado pelis municípios, o ITR é cobrado pela União. Ambos têm como base o tamanho e a localização da propiedade.
Em 2012, o valor da dívida com o ITR era de R$ 19,1 billhões. Em agosto de 2017, esse valor subiu para R$ 28,5 bilhões.
Atualmente, esse valor está dividido em dois "estoques" entre a Receita Federal e a PGFN. A Receita Federal está encarregada de receber R$ 7,8 bilhões, enquanto a PGFN tenta reaver R$ 20,7 bilhões.
A diferença entre esses dois estoques é a natureza da dívida. Enquanto a Receita tenta recuperar dívidas mais recentes por meio de cobranças administrativas, a PGFN fica com os débitos mas antigos, já inscritos na chamada "Dívida Ativa" da União, e quase sempre utiliza ações judiciais para reaver o dinheiro devido.
De acordo com o coordenador-geral da Dívida Ativa junto à PGFN, Everaldo Passos, a crise econômica tem impacto no aumento da inadiomplência do ITR, mas o fator primordial para o crescimento da dívida é a expectativa em relação a um novo Refis que possa reduzir os valores devidos.
"A gente acredita que esse aumento é muito estimulado por esses programas de refinancimento em que as pessoas estão deixando de pagar tributo voluntariamente e aguardando a chegada de um novo pacote de bondades", afirmou.
Para o coordenador, a repetitiva edição de Refis "deseduca" o contribuinte e estimula a inadimplência.
"Se o contribuinte acredita que ele não precisa pagar o tributo porque vão anistiar parte da dívida dele no futuro, ele deixa de cumprir com os seus deveres e isso tem impacto nas contas públicas", afirmou o procurador.
Segundo a PGFN, maior parte do débito com ITR é de latifundiários
Passos diz que esse efeito é maior entre os grandes devedores, quase sempre latifundiários. Segundo a PGFN e a Receita Federal, os 100 maiores devedores do ITR acumulam um débito de R$ 15,6 bilhões, ou 55% do total.
"Esse estimulo à inadimplência é maior sobretudo junto aos grandes devedores. São pessoas com grandes propiedades e com boa orientação jurídicae contábil", afirmou.
O procurador diz que, em média, apenas 35% dos débitos inscritos na Dívida Ativa são efetivamente recuperáveis. Ou seja, dos R$ 20,7 bilhões devidos em ITR já inscritos em dívida ativa, apenas R$ 7,24 bilhões deverão ser efetivamente arrecadados. "O restante é composto de dívidas de devedores que já morreram ou cuja empresa já faliu, o que torna o processo de cobrança, ainda que possível muito mais dífícil" explicou.
Cinco maiores inadimplentes devem R$ 4,9 bilhões
A PGFN divulga os nomes dos devedores, mas a Receita Federal não, em respeito ao sigilo fiscal, uma vez que as dívidas ainda não foram judicializadas.
De acordo com a PGFN, os cinco maiores devedores do ITR acumulam uma dívida de R$ 4,9 bilhões. São Aparecida Paxeco Sennas Lopes (R$ 1.507.328.331,08), Thomezio Chelli (R$ 1.278.970.518,22), Getúlio Martins do Amaral (R$ 966.856.009,43), Indústria Comércio Exportação e Navegação do Xingu LTDA (R$ 582.813.692,84) e Rene Brulhart (R$ 569.819.776,17).
A reportagem tentou entrar em contato com representantes dos cinco indicados desde a semana passada, mas não obteve êxito. Em relação a Aparecida Paxeco e a Tomazio Chelli, foram feitas ligações ao advogados que os representam em processos judiciaism, mas as chamadas não foram retornadas.
No caso de de Getúlio Martins do Amaral, a reportagem não conseguiu localizar seus representante. Em 2016, a Justiça do Paraná, onde ele responde a um processo, indicou que seu paradeiro era "incerto".
Em relação à Industria Comércio e Exportação e Navegação do Xingu LTDA, a reportagem enviou um e-mail à assessoria de imprensa do conglomerado C.R Almeida, ao qual a empresa está ligada. Também foram feitas ligações , mas nem as chamadas e nem o e-mail foram respondidos.
Em relação a Rene Brulhart, um de seus advogados informou a reportagem que ele morreu há cerca de dez anos. A PGFN informou, no entanto, que a morte do devedor não significa que a dívida não deve ser paga. As obrigações, neste caso, deverão ficar a cargo dos herdeiros ou do espólio. "a depender da situação do inventário".
A reportagem enviou perguntas para a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), uma das principais entidades que representam o agronegócio no país.
O recebimento das perguntas foi confirmado pela assessoria de imprensa via telefone, mas até a publicação desta reportagem a CNA não havia enviado resposta às questões. Por e-mail, a assessoria de imprensa disse que a entidade iria solicitar os dados mencionados na reportagem à Receita Federal e só então se manisfetaria sobre o assunto.
Fazenda admite aumento da inadimplência
A reportagem do UOL questionou a Presidência da República sobre a edição de Refis e o aumento da dívida com o ITR, mas por e-mail, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto disse que quem iria se manifestar sobre o assunto seria o Ministério da Fazenda.
Já o Ministério da Fzenda disse que a expectativa de um novo Refis foi um dos motivos responsáveis pelo aumenta da dívida do ITR. Para o órgão, o crescimento do débito foi resultado da "expectativa de novo Refis, crise econômica e crescimento vegetativo da dívida por conta da atualização monetária da Selic (taxa básicad de juros)''.
Entre as medidas que o ministério diz estar tomando para diminuir o valor da dívida estão a inscrição dos devedores no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público), protesto em cartório e cruzamento de dados para identificar patrimônio de devedores.
O que são os REFIS?
Os chamados Refis são programas de refinanciamento de dívidas aprovados pelo Congresso Nacional e sancionados pelo Poder Executivo que oferem vantagens aos devedores de tributos federais.
Eles começaram a ser feitos em 200, ainda durante o segundo governo do então presidente Fernando Henrique Cardos (PSDB), e foram reeditados durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB)
Neste ano, Temer sancionou o Refis de Estados e municípios e enviou ao Congresso Nacional a MP (Medida Provisória) que implementa o Refis do Funrural, um fundo composto por tributos pagos pelo agronegócio. Nos dois casos, o governo deverá conceder descontos no valor dos débitos devidos à União.